Texto enviado por Zebedeu
Esse fato rolou em um dia 11 de agosto, pouco antes da minha formatura, aqui em Campinas. Para comemorar a fundação dos cursos jurídicos no Brasil, o 11 de agosto é o tradicional dia da pindura, quando os estudantes de direito entram em um lugar desavisado, comem e não pagam. Com o saco cheio de pindurinhas babacas e combinadas antecipadamente em restaurantes chiques e barzinhos frescos, eu e mais cincoidiotas amigos tivemos a “brilhante” idéia de ir em uma churrascaria de caminhoneiros. A gente queria um lugar virgem de pinduras, onde ninguém sacasse a coisa, que era prá dar encrenca mesmo. Afinal, o prazer de um bom pindura é dar encrenca. Escolhemos uma em Sumaré, na Rodovia Anhanguera. Pra quem não conhece estas bandas de São Paulo, Sumaré está para Campinas assim como Ceilândia para o DF e a Anhanguera é a rodovia que liga Campinas a São Paulo. É suburbião brabo. A churrascaria escolhida tinha o sugestivo nome de “Churrascaria do Gaúcho” e tinha lá um garçom, o Tarzan, que era amigo do meu amigo Wilson, o Sansão, 49 quilos e um metro e sessenta de pura coragem, intrepidez e testosterona, que jurava que a parada ia ser garantida. Na boquinha da noite nos encontramos no portão da faculdade.
[Sansão] - Batata, filho. Fica frio.
[Eu, desconfiado] - Sansão, sei não, já ouvi falar que esse gaúcho é meio bandido, meio rei do jogo do bicho, tem casa na zona e anda rodeado de capangas. Será que...
- Tô falando, fica frio, cara. Xácomigo.
- Você avisou o Tarzan?
- Bicho, fica frio, cara. O tal Gaúcho vai dar um esporro e depois fica tudo beleza. Porra, vai amarelar agora, véio?
- N-não.
- Bora então.
Fomos seis caras em dois carros, no meu Uno e no Kadett velho do Sansão. E sem um puto no bolso, que era prá não dar em arrependimento ou ceder a pressões. Chegamos na tal churrascaria ali pelas sete e meia da noite. Era um barracão grande prá xuxu, com um posto de gasolina na frente. O pátio estava cheio de caminhões e jamantas mas do lado de dentro a bagaça estava vazia. Tarzan nos recepcionou na porta. Só havia uma outra mesa ocupada, onde umas vagabundas e uns caras mal encarados faziam uma algazarra. Coisa de puteiro. Depois dos cumprimentos, Tarzan guiou a gente até uma mesa no canto, bem no fundo, o que foi uma burrada nossa, como à frente se verá, mas mané metido a malandro é isso mesmo, só percebe a cagada depois que já se fodeu.
[Tarzan] - E aí, o que vai ser?
A gente não pode dizer que o Sansão era o nosso líder, mas era o mais saidinho e falava na frente:
- Rodízio esperto no capricho.
[Tarzan, saltitando, arrumando os talheres e rodeando a mesa] - É prá já patrão!
E começou a festa no inferno. Três baldinhos de cerveja com gelo, picanha, alcatra, filé mingnon, coraçãozinho de frango, três tipos de lingüiça, arroz à grega, maionese, batata frita e os cambau, tudo que um rodízio dá direito e mais um pouco. O rango estava bom e a gente foi mandando bala. Ninguém tinha comido nada que era prá dar mais fome. Tarzan e outros dois garçons foram nos servindo à vontade e ninguém renegava nada.
Foi nessa hora que chegou quem? Sim, O GAÚCHO em pessoa. O sujeito tinha, com certeza, mais de um metro e noventa, barbudo e barrigudo, com a camisa aberta até abaixo do peito cabeludo, forte pra cacete. Pinta de lutador de luta livre. Ele apoiou as mãos na mesa e se apresentou com uma voz que era um verdadeiro trovão:
- Sou o Gaúcho e sou dono deste bolicho*. Estão sendo bem servidos?
A manezada só balançou a cabeça. Quem não era tonto naquela hora já percebeu a gravidade da cagada, mas a merda já estava feita e o negócio era ir em frente. Eu só senti o sotaque da fera.
- Amigos do Tarzan têm lugar especial no coração do Gaúcho. Se torcer para o Internacional então, come até o meu rabo atrás do balcão.
Todo mundo deu uma risadinha amarela e a tragédia foi em frente.
[Sansão] - O senhor tem scotch?
[Eu, falando baixinho] - Porra Sansão, tú tá maluco, cara. Scoth, aqui?
- Escocês não tem, mas tenho nacionalizado. Tarzan, manda umas doses pros meninos.
[Sansão] – Ô “seu” Gaúcho, manda logo a garrafa inteira que a gente tá comemorando.
O monstro deu uma risada simpática e assim foi feito. Um litro de Bells e um de Passport.
- Pues fiquem à vontade. Se precisarem de alguma coisa é só chamar que eu estou ali fora.
E dá-lhe carne. Chuleta, cupim, lombinho, carneiro e o caralho. Quando ninguém aguentava mais comer salgado chegou a hora da sobremesa. Três pudins de côco, duas banana-splits, uma torta holandesa e seis cafezinhos com creme. Cervejas já tinham ido umas vinte. Eu estava acendendo a minha cigarrilha quando Tarzan trouxe a conta que, não me lembro bem, mas em grana de hoje devia dar uns quatrocentos paus. E aí fui eu que me levantei para dizer a frase tradicional, bem pomposo:
- Garçom, tira a conta da mesa e ponha um sorriso no rosto. Seria muita avareza cobrar do "XI de Agosto"!
E emendei com o discurso:
- Senhores garçons, meus prezados amigos e já quase ilustres colegas, aqui estamos para mais um pindura de onze de agosto. Queremos agradecer imensamente a gentileza do nosso amigo Gaúcho, pelo acolhimento e pela simpatia do nosso querido Tarzan, e reza a tradição que coloquem a conta na pindura...
Tarzan saiu correndo e foi avisar o chefe. Ouvi a voz grossa vindo lá de fora:
- A LA PUTCHA*, MAS QUE PORRA DE PALHAÇADA É ESSA???
Continua...(clique aqui para ler a parte 2)
Gauchês:
*Bolicho: estabelecimento comercial.
*A la putcha: expressão que indica espanto.
Esse fato rolou em um dia 11 de agosto, pouco antes da minha formatura, aqui em Campinas. Para comemorar a fundação dos cursos jurídicos no Brasil, o 11 de agosto é o tradicional dia da pindura, quando os estudantes de direito entram em um lugar desavisado, comem e não pagam. Com o saco cheio de pindurinhas babacas e combinadas antecipadamente em restaurantes chiques e barzinhos frescos, eu e mais cinco
[Sansão] - Batata, filho. Fica frio.
[Eu, desconfiado] - Sansão, sei não, já ouvi falar que esse gaúcho é meio bandido, meio rei do jogo do bicho, tem casa na zona e anda rodeado de capangas. Será que...
- Tô falando, fica frio, cara. Xácomigo.
- Você avisou o Tarzan?
- Bicho, fica frio, cara. O tal Gaúcho vai dar um esporro e depois fica tudo beleza. Porra, vai amarelar agora, véio?
- N-não.
- Bora então.
Fomos seis caras em dois carros, no meu Uno e no Kadett velho do Sansão. E sem um puto no bolso, que era prá não dar em arrependimento ou ceder a pressões. Chegamos na tal churrascaria ali pelas sete e meia da noite. Era um barracão grande prá xuxu, com um posto de gasolina na frente. O pátio estava cheio de caminhões e jamantas mas do lado de dentro a bagaça estava vazia. Tarzan nos recepcionou na porta. Só havia uma outra mesa ocupada, onde umas vagabundas e uns caras mal encarados faziam uma algazarra. Coisa de puteiro. Depois dos cumprimentos, Tarzan guiou a gente até uma mesa no canto, bem no fundo, o que foi uma burrada nossa, como à frente se verá, mas mané metido a malandro é isso mesmo, só percebe a cagada depois que já se fodeu.
[Tarzan] - E aí, o que vai ser?
A gente não pode dizer que o Sansão era o nosso líder, mas era o mais saidinho e falava na frente:
- Rodízio esperto no capricho.
[Tarzan, saltitando, arrumando os talheres e rodeando a mesa] - É prá já patrão!
E começou a festa no inferno. Três baldinhos de cerveja com gelo, picanha, alcatra, filé mingnon, coraçãozinho de frango, três tipos de lingüiça, arroz à grega, maionese, batata frita e os cambau, tudo que um rodízio dá direito e mais um pouco. O rango estava bom e a gente foi mandando bala. Ninguém tinha comido nada que era prá dar mais fome. Tarzan e outros dois garçons foram nos servindo à vontade e ninguém renegava nada.
Foi nessa hora que chegou quem? Sim, O GAÚCHO em pessoa. O sujeito tinha, com certeza, mais de um metro e noventa, barbudo e barrigudo, com a camisa aberta até abaixo do peito cabeludo, forte pra cacete. Pinta de lutador de luta livre. Ele apoiou as mãos na mesa e se apresentou com uma voz que era um verdadeiro trovão:
- Sou o Gaúcho e sou dono deste bolicho*. Estão sendo bem servidos?
A manezada só balançou a cabeça. Quem não era tonto naquela hora já percebeu a gravidade da cagada, mas a merda já estava feita e o negócio era ir em frente. Eu só senti o sotaque da fera.
- Amigos do Tarzan têm lugar especial no coração do Gaúcho. Se torcer para o Internacional então, come até o meu rabo atrás do balcão.
Todo mundo deu uma risadinha amarela e a tragédia foi em frente.
[Sansão] - O senhor tem scotch?
[Eu, falando baixinho] - Porra Sansão, tú tá maluco, cara. Scoth, aqui?
- Escocês não tem, mas tenho nacionalizado. Tarzan, manda umas doses pros meninos.
[Sansão] – Ô “seu” Gaúcho, manda logo a garrafa inteira que a gente tá comemorando.
O monstro deu uma risada simpática e assim foi feito. Um litro de Bells e um de Passport.
- Pues fiquem à vontade. Se precisarem de alguma coisa é só chamar que eu estou ali fora.
E dá-lhe carne. Chuleta, cupim, lombinho, carneiro e o caralho. Quando ninguém aguentava mais comer salgado chegou a hora da sobremesa. Três pudins de côco, duas banana-splits, uma torta holandesa e seis cafezinhos com creme. Cervejas já tinham ido umas vinte. Eu estava acendendo a minha cigarrilha quando Tarzan trouxe a conta que, não me lembro bem, mas em grana de hoje devia dar uns quatrocentos paus. E aí fui eu que me levantei para dizer a frase tradicional, bem pomposo:
- Garçom, tira a conta da mesa e ponha um sorriso no rosto. Seria muita avareza cobrar do "XI de Agosto"!
E emendei com o discurso:
- Senhores garçons, meus prezados amigos e já quase ilustres colegas, aqui estamos para mais um pindura de onze de agosto. Queremos agradecer imensamente a gentileza do nosso amigo Gaúcho, pelo acolhimento e pela simpatia do nosso querido Tarzan, e reza a tradição que coloquem a conta na pindura...
Tarzan saiu correndo e foi avisar o chefe. Ouvi a voz grossa vindo lá de fora:
- A LA PUTCHA*, MAS QUE PORRA DE PALHAÇADA É ESSA???
Continua...(clique aqui para ler a parte 2)
Gauchês:
*Bolicho: estabelecimento comercial.
*A la putcha: expressão que indica espanto.