Preços da Boate da Bete
Texto enviado por Zebedeu
Chegamos na tal “boate” da Bete, no Itatinga. Uma casinha mequetrefe na última rua do bairro. O Itatinga é movimentado nas ruas principais, mas bem sinistro nas ruelas periféricas. Já era noite e lembro que deu pra ver um Embraer da Azul estalando as turbinas no pouso, bonito. Wollison estacionou a Belina animadão:
- Aê, doutor, é nóis na farra. Bora nessa que a noite é uma criança.
E ainda emendou:
- Doutor, eu gosto da boate da Bete porque só tem baiana. Só gata! E eu vou apresentar o senhor pro Pão de Açúcar, um chegado meu aí. Bora.
Pensei comigo: “Pão de Açúcar? O que será isso? Alguma bichona?”. Mas deixei rolar e fui atrás dele. Subimos uma escadinha no jardim em frente da casa e entramos na sala de espera da “boate”. Nesse momento eu já notei o nível da espelunca. Meia dúzia de senhoras de meia idade, passeando pra lá e pra cá, sob um ambiente escuro, de luz roxa. Até aí, tudo bem, que isso é normal em zona. Mas uma das “meninas” gritou:
- Beeeeeeete, olha o Waldiki aqui!
Ué, Waldiki? A mulher veio lá do fundo, de não sei onde, feito um furacão. Era uma dona de uns cinqüenta anos, gordinha e baixinha. Quando eu vi ela já estava na nossa frente e apontando o dedo na cara do Wóllison:
- Seu pilantra, fi’dumaégua, e ainda tem “corage” de voltar aqui??
- Calma, benzinho, eu posso explicar.
- Que explicar o que, seu xibungo! E ainda tráz um almofadinha contigo? Pra quê??
Percebi que o “almofadinha”, no caso, era eu. Enquanto as outras quatro ou cinco “meninas” da casa ficavam dando risadinhas, ela continuou com o pito:
- Fica namorando na cidade e depois vem aqui no fim de semana se aproveitar? Vai casar é? Vai casar?
- Nããoo...quem foi que...
- Cala a boca que eu tô falando. Tô sabendo de tudo, seu bosta. O Pão de Açucar verificou pra mim. Pode ir tratando de dar no pé.
O Wóllison começou a fazer frescurinhas pra Bete:
- Qué isso, amorzinho, fica brabinha não. Esse baianinho é só seu, meu amor.
Ele olhou pra mim:
- Doutor, vai “se divertindo” aê, que eu vou dar um jeito nessa treta.
Eu vi os dois sumirem por um corredorzinho escuro e ainda escutei a Bete falando:
- E pode enfiar aquele CD do Pitanga no cu!
Bom, os dois sumiram pros fundos da casa, e lá estava eu, sozinho, na sala de espera da “boate” da Bete. Só trubufú na redondeza. No ambiente rolava uma seleção de músicas de Amado Batista e já tinham me dado uma dose de alguma coisa que parecia wiski. Nessa hora, uma morena peitudona, mais rodada que a Belina do Wóllison, mas que, pra minha sorte, era a mais ajeitadinha do pedaço, se aproximou:
- E aí, docinho, vamu fazê neném?
Pensei: “fazer o que, numa hora dessas? Dizer que está com dor de cabeça?”. Enfim, encarei a coisa. E nem perguntei o preço porque estava na cara que não seria caro. E também sumi no escuro do inferninho.
Fiquei por lá com a morena bem umas duas horas porque a mulher até que não era ruim. E a noite estava tranqüila. Era uma época do mês em que a piãozada, que era a clientela mais comum, estava dura, e a casa estava vazia. MAS, DE REPENTE, eu ouvi gritos no corredor:
- Waldiiiiiiiki, seu cafajeste, sai daqui, saaaaaiii!!!
Vesti a roupa depressa e saí no corredor. Dei de cara com o Wóllison:
- Doutor, já terminou? Vam’bora que eu briguei com a Bete de novo. Essa vadia só me arruma confusão!
- Tá, tá, vamos.
E saímos em direção ao carro. A rua era escura e sinistra. Quando o Wóllison chegou na Belina, começou a cutucar os bolsos. Do lado de fora ainda dava pra ouvir a Bete gritando. E o Wóllison cutucando os bolsos:
- Ué, cadê a chave do carro? Caralho, onde eu coloquei aquela merda.
E procura, procura, procura, até que ele viu:
- Putaqueupariu, eu fechei o carro com a chave dentro. Olha ela lá!
E de fato. Estava escuro mas deu pra ver o chaveiro pé de coelho dele pendurado no contato.
- Doutor, faz um favor pra mim? Vai lá dentro e pega uma faca que eu vou abrir a ventoinha. Com ela aberta, eu enfio o braço e abro a porta por dentro. Já fiz isso uma porrada de “vez”.
- Arrombar a ventoinha?
- É. A ventoinha. Essa janelinha aqui da frente, porra! Não tem outro jeito.
Eu tinha até esquecido que isso existia. Os carros modernos não tem mais ventoinha. A coisa começou a ficar enrolada e eu nervoso.
- Tá, tá, tá. Espera aí.
E fui lá pra dentro da casa pegar uma faca. Entrei na cozinha, abri uma gaveta da pia e peguei a primeira coisa que eu vi, um daqueles facões tipo de açougueiro, e saí pelo corredor com o troço na mão. Dei de cara com duas mulheres que começaram a gritar:
- FÁÁÁÁÁÁÁCA...FÁÁÁÁÁÁÁCA...PÃO DE AÇUCAR...PÃO DE AÇUCAR...SOCORRO...
Eu tentei argumentar:
- Não. Esperaí, eu só...
Não deu tempo. Levei uma gravata por trás e fui “desarmado”. Era o tal Pão de Açúcar. E só aí que eu vi o cara e percebi porque que ele tinha esse nome. Segurança da área, o Pão de Açúcar era um negão alto e largo pra cacete. Sinceridade, era do tipo que, se você quisesse dar um tapa na venta dele, precisava pegar o bondinho. E aí ficou aquela muvuca, aquele oba-oba, eu tentando me explicar, a mulherada gritando, e o Pão de Açúcar me espremendo na parede. Nessa hora surgiu o Wóllison:
- Calma, gente, é amigo, é amigo! Pão, larga o cara, porra!
Quando o Pão de Açúcar me largou como se eu fosse um pedaço de papel, eu estava com o nariz doendo porque ele havia esfregado a minha cara na parede. Ele deu uma dura no Wóllison:
- Porra, Waldiki, cumé qui tu me dá uma dessa, mano? Vai trazendo gente aqui sem apresentar?
- É, foi mals, mas não deu tempo porque a Bete...
Ih, a Bete! Ela estava tendo um surto, no fundo da casa:
- Cai fora, cafajeste! Não quero mais ver a tua cara! E vai dar CD de Pitanga e de carambola pra tua irmã!
Bom, resultado final: o Wóllison se desculpou, o Pão de Açúcar também, e nós fomos embora. O Wóllison me deixou no centro e eu ainda fui de táxi comer um lanche no Bar da Lingüiça, um famoso e tradicional botecão que tinha em Campinas que, infelizmente, fechou. Que saudades (do Bar, não da Boate).
*BÔNUS 1: Pitanga - Ruas do mundo
Chegamos na tal “boate” da Bete, no Itatinga. Uma casinha mequetrefe na última rua do bairro. O Itatinga é movimentado nas ruas principais, mas bem sinistro nas ruelas periféricas. Já era noite e lembro que deu pra ver um Embraer da Azul estalando as turbinas no pouso, bonito. Wollison estacionou a Belina animadão:
- Aê, doutor, é nóis na farra. Bora nessa que a noite é uma criança.
E ainda emendou:
- Doutor, eu gosto da boate da Bete porque só tem baiana. Só gata! E eu vou apresentar o senhor pro Pão de Açúcar, um chegado meu aí. Bora.
Pensei comigo: “Pão de Açúcar? O que será isso? Alguma bichona?”. Mas deixei rolar e fui atrás dele. Subimos uma escadinha no jardim em frente da casa e entramos na sala de espera da “boate”. Nesse momento eu já notei o nível da espelunca. Meia dúzia de senhoras de meia idade, passeando pra lá e pra cá, sob um ambiente escuro, de luz roxa. Até aí, tudo bem, que isso é normal em zona. Mas uma das “meninas” gritou:
- Beeeeeeete, olha o Waldiki aqui!
Ué, Waldiki? A mulher veio lá do fundo, de não sei onde, feito um furacão. Era uma dona de uns cinqüenta anos, gordinha e baixinha. Quando eu vi ela já estava na nossa frente e apontando o dedo na cara do Wóllison:
- Seu pilantra, fi’dumaégua, e ainda tem “corage” de voltar aqui??
- Calma, benzinho, eu posso explicar.
- Que explicar o que, seu xibungo! E ainda tráz um almofadinha contigo? Pra quê??
Percebi que o “almofadinha”, no caso, era eu. Enquanto as outras quatro ou cinco “meninas” da casa ficavam dando risadinhas, ela continuou com o pito:
- Fica namorando na cidade e depois vem aqui no fim de semana se aproveitar? Vai casar é? Vai casar?
- Nããoo...quem foi que...
- Cala a boca que eu tô falando. Tô sabendo de tudo, seu bosta. O Pão de Açucar verificou pra mim. Pode ir tratando de dar no pé.
O Wóllison começou a fazer frescurinhas pra Bete:
- Qué isso, amorzinho, fica brabinha não. Esse baianinho é só seu, meu amor.
Ele olhou pra mim:
- Doutor, vai “se divertindo” aê, que eu vou dar um jeito nessa treta.
Eu vi os dois sumirem por um corredorzinho escuro e ainda escutei a Bete falando:
- E pode enfiar aquele CD do Pitanga no cu!
Bom, os dois sumiram pros fundos da casa, e lá estava eu, sozinho, na sala de espera da “boate” da Bete. Só trubufú na redondeza. No ambiente rolava uma seleção de músicas de Amado Batista e já tinham me dado uma dose de alguma coisa que parecia wiski. Nessa hora, uma morena peitudona, mais rodada que a Belina do Wóllison, mas que, pra minha sorte, era a mais ajeitadinha do pedaço, se aproximou:
- E aí, docinho, vamu fazê neném?
Pensei: “fazer o que, numa hora dessas? Dizer que está com dor de cabeça?”. Enfim, encarei a coisa. E nem perguntei o preço porque estava na cara que não seria caro. E também sumi no escuro do inferninho.
Fiquei por lá com a morena bem umas duas horas porque a mulher até que não era ruim. E a noite estava tranqüila. Era uma época do mês em que a piãozada, que era a clientela mais comum, estava dura, e a casa estava vazia. MAS, DE REPENTE, eu ouvi gritos no corredor:
- Waldiiiiiiiki, seu cafajeste, sai daqui, saaaaaiii!!!
Vesti a roupa depressa e saí no corredor. Dei de cara com o Wóllison:
- Doutor, já terminou? Vam’bora que eu briguei com a Bete de novo. Essa vadia só me arruma confusão!
- Tá, tá, vamos.
E saímos em direção ao carro. A rua era escura e sinistra. Quando o Wóllison chegou na Belina, começou a cutucar os bolsos. Do lado de fora ainda dava pra ouvir a Bete gritando. E o Wóllison cutucando os bolsos:
- Ué, cadê a chave do carro? Caralho, onde eu coloquei aquela merda.
E procura, procura, procura, até que ele viu:
- Putaqueupariu, eu fechei o carro com a chave dentro. Olha ela lá!
E de fato. Estava escuro mas deu pra ver o chaveiro pé de coelho dele pendurado no contato.
- Doutor, faz um favor pra mim? Vai lá dentro e pega uma faca que eu vou abrir a ventoinha. Com ela aberta, eu enfio o braço e abro a porta por dentro. Já fiz isso uma porrada de “vez”.
- Arrombar a ventoinha?
- É. A ventoinha. Essa janelinha aqui da frente, porra! Não tem outro jeito.
Eu tinha até esquecido que isso existia. Os carros modernos não tem mais ventoinha. A coisa começou a ficar enrolada e eu nervoso.
- Tá, tá, tá. Espera aí.
E fui lá pra dentro da casa pegar uma faca. Entrei na cozinha, abri uma gaveta da pia e peguei a primeira coisa que eu vi, um daqueles facões tipo de açougueiro, e saí pelo corredor com o troço na mão. Dei de cara com duas mulheres que começaram a gritar:
- FÁÁÁÁÁÁÁCA...FÁÁÁÁÁÁÁCA...PÃO DE AÇUCAR...PÃO DE AÇUCAR...SOCORRO...
Eu tentei argumentar:
- Não. Esperaí, eu só...
Não deu tempo. Levei uma gravata por trás e fui “desarmado”. Era o tal Pão de Açúcar. E só aí que eu vi o cara e percebi porque que ele tinha esse nome. Segurança da área, o Pão de Açúcar era um negão alto e largo pra cacete. Sinceridade, era do tipo que, se você quisesse dar um tapa na venta dele, precisava pegar o bondinho. E aí ficou aquela muvuca, aquele oba-oba, eu tentando me explicar, a mulherada gritando, e o Pão de Açúcar me espremendo na parede. Nessa hora surgiu o Wóllison:
- Calma, gente, é amigo, é amigo! Pão, larga o cara, porra!
Quando o Pão de Açúcar me largou como se eu fosse um pedaço de papel, eu estava com o nariz doendo porque ele havia esfregado a minha cara na parede. Ele deu uma dura no Wóllison:
- Porra, Waldiki, cumé qui tu me dá uma dessa, mano? Vai trazendo gente aqui sem apresentar?
- É, foi mals, mas não deu tempo porque a Bete...
Ih, a Bete! Ela estava tendo um surto, no fundo da casa:
- Cai fora, cafajeste! Não quero mais ver a tua cara! E vai dar CD de Pitanga e de carambola pra tua irmã!
Bom, resultado final: o Wóllison se desculpou, o Pão de Açúcar também, e nós fomos embora. O Wóllison me deixou no centro e eu ainda fui de táxi comer um lanche no Bar da Lingüiça, um famoso e tradicional botecão que tinha em Campinas que, infelizmente, fechou. Que saudades (do Bar, não da Boate).
*BÔNUS 1: Pitanga - Ruas do mundo
*BÔNUS 2: Vejam as fotos do estúdio caseiro do Pitanga: http://www.jpitanga.oi.com.br/studio/studio.htm. Totalmente rái ték! Aproveite e dê uma conferida no site oficial do cantor.