Texto enviado por Zebedeu
Só pra lembrar, e para quem não leu a minha colaboração por aqui sobre a pindura na churrascaria, o Sansão é um amigo meu, 49 quilos e um metro e sessenta de macheza, valentia e testosterona selvagem, que vivia me colocando em saias justas. Hoje quase não nos vemos. Ainda bem. Eu perdi a conta das vezes em que ele me botou em rolo. Depois, se der, eu conto mais. Hoje vamos continuar pelo caso do carro emprestado para motivos nobres.
ATO I (a chegada em Ubatuba)
Carnaval de 1999. Ubatuba, litoral de São Paulo. Passávamos sempre o Carnaval por lá, acampando. Era baratinho e Ubatuba é a cidade litorânea paulista mais próxima de Campinas. É só pegar a Rodovia Dom Pedro, cair na Dutra em São José dos Campos, descer a serra na Tamoios e pronto: é a festa no inferno. Naquele ano chegamos na quinta-feira e montamos a barraca de tardezinha, no camping que a gente sempre ia. Só na hora de montar a porra é que o Sansão falou que a porta da barraca estava quebrada e o zíper não fechava (a barraca era dele). Vejam que a fodeção já começou aí. A gente ia ficar os quatro dias com a barraca mais aberta que igreja. Bom, como eu sou um cara meio enjoadão, dei umas voltas pelo recinto pra ver se ficaria tudo em ordem e fiquei sabendo que do nosso lado esquerdo tinha umas minas de São Paulo e do lado direito um capitão da aeronáutica, de São José dos Campos, com a família. O Sansão? Tava nem aí. Acabou de montar a “quase” barraca, meteu um calção e sumiu. Eu, com meu jeito tranquilão, fiquei por ali, dei umas voltinhas, abri uma latinha de cerveja, cheguei nas minas de São Paulo e acabei batendo papo com o Capitão, um sujeito fortão, de bigode, invocado pra cacete, mas super gente fina. Tudo tranquilo e assim se passou a tarde.
ATO II (o empréstimo)
Fiquei sabendo que naquela noite aconteceria um borogodó de carnaval ali mesmo, no salão do camping. Beleza. Tomei um banhão, fiz um Miojo esperto, ranguei e combinei com as minas de Sampa. Eu já estava mesmo alinhado na pista para dar tudo nos manetes e agarrar uma moreninha chamada Noely. Às oito horas eu já estava no salão com as quatro minas de Sampa. O DJ estava mandando de tudo e eu começei a dar uns pegas na Noely, mas já meio preocupado com o filho da puta do Sansão. Onde será que o lazarento tinha se enfiado? Lá pelas dez e meia me chega o figura, com uma garrafa de Orloff na mão e abraçado com uma mocréiona quase o dobro do tamanho dele. Ele é pequenininho e sempre foi chegado em mulheres grandes. Vai saber porque.
[Sansão, frenético, acompanhando as caixas de som com Banda Eva] – Cheiro de pneu queimado, carburador furado, coração dilacerado...
Ele se aproxima de mim:
- Cara, me empresta a chave do seu carro.
- Pra que?
- [Com o estilo bem “fino” dele] Como pra que? Pra meter, caralho! Me empresta a porra do carro.
- Vai na barraca.
- Sem porta? Tú já viu a fuça daquele Capitão? Se ele me pega trepando na barraca ele me trucida, cara.
- Tá. Toma. Se vira. Mas não sai com o carro, pelo amor de Deus.
Ele me apresentou a garota, a Gleisa, que falava com um puta sotaque paulistano:
- Ai, geinte, que bacana aqui, né? Lá em São Paulo a geinte vive correindo. Aqui é paiz, né? No ano que vem eu vorto, viu.
E sumiram de novo, se afastando no meio da rapaziada, que pulava. Ainda deu pra eu ver o bracinho dele, levantado em ângulo de quase noventa graus, com a mãozinha apoiada no ombro da mulher, os dois rebolando com a Banda Eva.
"Quer andar de carro velho amor, que venha, pois eu sei que amar a pé amor, é lenha!.."
ATO III (a devolução)
Lá pelas cinco e meia da madruga eu volto pra barraca, depois de ter ficado bastante com a Noely, uma garota bem gracinha, tudo na boa. O romance foi tão legal que eu acabei esquecendo do Sansão e do carro. Mas ao chegar na barraca me dou com a cena: a barraca escancarada, o Sansão dormindo, deitado de bruços, todo mordido de pernilongos, o calção abaixado, com a bunda parecendo um panetone.
- [Eu, preocupado, chacoalhando o elemento] Cara, e aí, meu, tudo certo?
- Hã...?!
- Sansa, caralho! E aí, tudo certo? E meu carro?
- [Sansão, entre dormindo e acordado] Hã....? Ôba... Meu, já deixa eu te falar uma coisa, que eu sei que você vai ficar puto. A Gleisa jogou o seu CD do Mahler no rio que tem atrás do estacionamento.
- Que? O meu Gustav Mahler? A Sinfonia nº 9, com Leonard Bernstein? Um Deutsche Grammophon importado?
- É. A gente começou a rolar, eu fui por um som e meti aquele CD sem querer porque estava escuro e ela arrancou o treco do carro e jogou no rio. Falou que era uma bosta de música.
- Caralho!
- E, cara, compra um carro maior, meu. Comer a Gleisa no banquinho de trás do seu Uno foi uma merda.
E afundou a cara no travesseiro e apagou de novo. Putaqueupariu. Preocupado, espantei um cachorro que estava lambendo o nosso leite Ninho que tinha caído da lata, peguei a chave de dentro da panela de macarrão e fui verificar a coisa. No estacionamento, já de longe avistei o meu carro, que parecia estar inteiro. Ufa, alívio. Mas cheguei perto e abri a porta. Bicho, nháca total. O cheiro era uma mistura de chulé, cerveja, vodka, cigarro, maconha, sêmen e sei lá eu mais o que. Os vidros estavam numa melecação tão desgraçada que o brasão do Guarani quase descolou. O chulé predominava. Você já deve ter ouvido a frase que diz que todo baixinho tem bafo porque o cú é muito perto da boca, né? Pois com o Sansão o problema já começa no pé, cara. E vi que estava faltando mesmo o meu CD do Mahler. Pelo jeito, nem adiantava procurar. Corri para o porta-luvas e meu “Cem Anos de Solidão”, que eu tinha levado pra reler, estava lá, intacto. Mas no banco de trás eu encontrei um par de tênis All Star velho, tamanho 43, cano curto, amassado no calcanhar pra servir de chinelo, a garrafa de vodka vazia, minha caixa de cigarrilhas cubanas vazia, quatro latas vazias de cerveja, uma calcinha e um sutiã grandes (e sujos), areia até no cinzeiro, junto com as guimbas e..., pasmén, uma cueca tamanho XGG que, como vocês já sacaram, NÃO era do Sansão, que só usa sunguinha PP infantil da C&A.
É, meus caros amigos bigotrônicos, no fim, até que eu tive sorte e a coisa ficou barata. Depois o Sansão me explicou tudo: eles precisaram sair correndo do carro porque o guarda do camping apareceu e tal. Ele explicou tudinho. Menos a cueca XGG.
Só pra lembrar, e para quem não leu a minha colaboração por aqui sobre a pindura na churrascaria, o Sansão é um amigo meu, 49 quilos e um metro e sessenta de macheza, valentia e testosterona selvagem, que vivia me colocando em saias justas. Hoje quase não nos vemos. Ainda bem. Eu perdi a conta das vezes em que ele me botou em rolo. Depois, se der, eu conto mais. Hoje vamos continuar pelo caso do carro emprestado para motivos nobres.
ATO I (a chegada em Ubatuba)
Carnaval de 1999. Ubatuba, litoral de São Paulo. Passávamos sempre o Carnaval por lá, acampando. Era baratinho e Ubatuba é a cidade litorânea paulista mais próxima de Campinas. É só pegar a Rodovia Dom Pedro, cair na Dutra em São José dos Campos, descer a serra na Tamoios e pronto: é a festa no inferno. Naquele ano chegamos na quinta-feira e montamos a barraca de tardezinha, no camping que a gente sempre ia. Só na hora de montar a porra é que o Sansão falou que a porta da barraca estava quebrada e o zíper não fechava (a barraca era dele). Vejam que a fodeção já começou aí. A gente ia ficar os quatro dias com a barraca mais aberta que igreja. Bom, como eu sou um cara meio enjoadão, dei umas voltas pelo recinto pra ver se ficaria tudo em ordem e fiquei sabendo que do nosso lado esquerdo tinha umas minas de São Paulo e do lado direito um capitão da aeronáutica, de São José dos Campos, com a família. O Sansão? Tava nem aí. Acabou de montar a “quase” barraca, meteu um calção e sumiu. Eu, com meu jeito tranquilão, fiquei por ali, dei umas voltinhas, abri uma latinha de cerveja, cheguei nas minas de São Paulo e acabei batendo papo com o Capitão, um sujeito fortão, de bigode, invocado pra cacete, mas super gente fina. Tudo tranquilo e assim se passou a tarde.
ATO II (o empréstimo)
Fiquei sabendo que naquela noite aconteceria um borogodó de carnaval ali mesmo, no salão do camping. Beleza. Tomei um banhão, fiz um Miojo esperto, ranguei e combinei com as minas de Sampa. Eu já estava mesmo alinhado na pista para dar tudo nos manetes e agarrar uma moreninha chamada Noely. Às oito horas eu já estava no salão com as quatro minas de Sampa. O DJ estava mandando de tudo e eu começei a dar uns pegas na Noely, mas já meio preocupado com o filho da puta do Sansão. Onde será que o lazarento tinha se enfiado? Lá pelas dez e meia me chega o figura, com uma garrafa de Orloff na mão e abraçado com uma mocréiona quase o dobro do tamanho dele. Ele é pequenininho e sempre foi chegado em mulheres grandes. Vai saber porque.
[Sansão, frenético, acompanhando as caixas de som com Banda Eva] – Cheiro de pneu queimado, carburador furado, coração dilacerado...
Ele se aproxima de mim:
- Cara, me empresta a chave do seu carro.
- Pra que?
- [Com o estilo bem “fino” dele] Como pra que? Pra meter, caralho! Me empresta a porra do carro.
- Vai na barraca.
- Sem porta? Tú já viu a fuça daquele Capitão? Se ele me pega trepando na barraca ele me trucida, cara.
- Tá. Toma. Se vira. Mas não sai com o carro, pelo amor de Deus.
Ele me apresentou a garota, a Gleisa, que falava com um puta sotaque paulistano:
- Ai, geinte, que bacana aqui, né? Lá em São Paulo a geinte vive correindo. Aqui é paiz, né? No ano que vem eu vorto, viu.
E sumiram de novo, se afastando no meio da rapaziada, que pulava. Ainda deu pra eu ver o bracinho dele, levantado em ângulo de quase noventa graus, com a mãozinha apoiada no ombro da mulher, os dois rebolando com a Banda Eva.
"Quer andar de carro velho amor, que venha, pois eu sei que amar a pé amor, é lenha!.."
ATO III (a devolução)
Lá pelas cinco e meia da madruga eu volto pra barraca, depois de ter ficado bastante com a Noely, uma garota bem gracinha, tudo na boa. O romance foi tão legal que eu acabei esquecendo do Sansão e do carro. Mas ao chegar na barraca me dou com a cena: a barraca escancarada, o Sansão dormindo, deitado de bruços, todo mordido de pernilongos, o calção abaixado, com a bunda parecendo um panetone.
- [Eu, preocupado, chacoalhando o elemento] Cara, e aí, meu, tudo certo?
- Hã...?!
- Sansa, caralho! E aí, tudo certo? E meu carro?
- [Sansão, entre dormindo e acordado] Hã....? Ôba... Meu, já deixa eu te falar uma coisa, que eu sei que você vai ficar puto. A Gleisa jogou o seu CD do Mahler no rio que tem atrás do estacionamento.
- Que? O meu Gustav Mahler? A Sinfonia nº 9, com Leonard Bernstein? Um Deutsche Grammophon importado?
- É. A gente começou a rolar, eu fui por um som e meti aquele CD sem querer porque estava escuro e ela arrancou o treco do carro e jogou no rio. Falou que era uma bosta de música.
- Caralho!
- E, cara, compra um carro maior, meu. Comer a Gleisa no banquinho de trás do seu Uno foi uma merda.
E afundou a cara no travesseiro e apagou de novo. Putaqueupariu. Preocupado, espantei um cachorro que estava lambendo o nosso leite Ninho que tinha caído da lata, peguei a chave de dentro da panela de macarrão e fui verificar a coisa. No estacionamento, já de longe avistei o meu carro, que parecia estar inteiro. Ufa, alívio. Mas cheguei perto e abri a porta. Bicho, nháca total. O cheiro era uma mistura de chulé, cerveja, vodka, cigarro, maconha, sêmen e sei lá eu mais o que. Os vidros estavam numa melecação tão desgraçada que o brasão do Guarani quase descolou. O chulé predominava. Você já deve ter ouvido a frase que diz que todo baixinho tem bafo porque o cú é muito perto da boca, né? Pois com o Sansão o problema já começa no pé, cara. E vi que estava faltando mesmo o meu CD do Mahler. Pelo jeito, nem adiantava procurar. Corri para o porta-luvas e meu “Cem Anos de Solidão”, que eu tinha levado pra reler, estava lá, intacto. Mas no banco de trás eu encontrei um par de tênis All Star velho, tamanho 43, cano curto, amassado no calcanhar pra servir de chinelo, a garrafa de vodka vazia, minha caixa de cigarrilhas cubanas vazia, quatro latas vazias de cerveja, uma calcinha e um sutiã grandes (e sujos), areia até no cinzeiro, junto com as guimbas e..., pasmén, uma cueca tamanho XGG que, como vocês já sacaram, NÃO era do Sansão, que só usa sunguinha PP infantil da C&A.
É, meus caros amigos bigotrônicos, no fim, até que eu tive sorte e a coisa ficou barata. Depois o Sansão me explicou tudo: eles precisaram sair correndo do carro porque o guarda do camping apareceu e tal. Ele explicou tudinho. Menos a cueca XGG.