terça-feira, 8 de julho de 2008

Sandro Cleyton, o estagiário




Texto enviado por Zebedeu

Até hoje o Silveirinha, o melhor advogado de Arapipunga, não entende muito bem porque resolveu aceitar o estagiário Sandro Cleyton. Foi aquele preço da amizade, que, às vezes, sai caro. O menino é filho do Praxedes do Cartório, um amigo antigo, então...

Mas o problema é que o moleque, no tempo em que trabalhou, não acertou uma. Só dava fora. Um atrás do outro. Silveira até que tinha paciência e ia aguentando, enquanto rolavam as tardes modorrentas da pequena cidade. Mas, de vez em quando, lá vinha o fulano:

- Doutor Silveira, precisamos estar fazendo um mandado de procuração para o Pereira, aquele do processo de usocompião...
- Cleyton, não é mandado, porra, é mandaTO. E, por favor, não me fale mais esses gerúndios, "estarmos fazendo", "irmos cagando", etc, e usocompião é a putaqueupariu. É usocapião.

Ou ainda uma outra vez, quando o próprio Silveira chamou a atenção do pimpolho:

- Cleyton, quiqui é esse negócio aqui que você escreveu nesta petição? "À VOÇA ECELÊNCIA"? Antes de tudo, esse "a" não tem crase porra nenhuma. Segundo, "vossa" é com dois esses, seu bosta, e "excelência" tem "x", caralho.

O menino era burro, mas não era abusado:

- Pois não, Doutor Silveira.

Bom, e assim iam passando os dias e as manhãs quentes de Arapipunga. Até que teve o dia da viúva Rosimeire. A gota d'água. Rosimeire Dantas D'alencastro. Ex-miss Arapipunga, ex-garota festa da jaca (a jaca é uma das maiores riquezas da cidade), Rosemeire era uma paixão nunca resolvida do Silveirinha na adolescência, cujos destinos haviam se separado, fazendo com que Rosimeire casasse com o Chiquinho da farmácia e o Silveirinha, como sabemos, com a sua atual esposa e mãe de seus filhos, dona Valderlice Aparecida. Vai daí que o Chiquinho da farmácia morreu de repente (bateu as caxoleta, como se diz no jargão popular), e a Rosimeire precisava fazer o inventário. Inventário dos bons, diga-se de passagem. O Chiquinho havia ficado bem de vida, havia comprado casas e sítios. Como diria o próprio Silveirinha em suas petições, "e nessa conformidade", houve então o dia em que a Rosimeire agendou um horário com o nosso amigo e compareceu. Pontualmente, como era hábito. Silveira, nervoso, guiou a bela e antiga conhecida para que se sentasse na cadeira em frente sua mesa. O Cleyton ali do lado, feito papagaio de zona. Só ouvindo. Silveira inicia o diálogo, com uma conversinha fiada:

- Bom, minha cara, antes de tudo, meus pêsames. Eu gostava muito do Chiquinho. Grande alma. Excelente homem.
- Pois é, Silveira. Fazer o que, né? Vamos tocar a vida prá frente. O fato é que eu preciso fazer o inventário. Nós só temos uma filha maior de idade e, como você sabe, o Chiquinho deixou muitos bens e dinheiro em conta de banco.

Rosimeire deu uma cruzada de pernas que o Silveirinha gelou. Que maravilha. E foi aí que o gênio de Cleyton resolveu se manifestar:

- Sabe, dona Rosimeire, agora há uma nova lei que permite que partilhas sejam feitas em cartório. É bem mais rápido. Se a senhora quiser eu falo com o meu pai e o meu primo, que também é devogado e assina e ...

Silveira fuzilou e não teve sequer constrangimento pela bela presença da Rosimeire:

- SEU MOLEQUE FILHODAPUTA. Isso você sabe, né, lazarento? Fora. Fora do meu escritório, caralho!!!

Bom, depois desse mico, resta dizer que o Silveira está traçando a Rosimeire, de vez em quando. Mas não fez o inventário. Desculpou-se meio amarelo com o Praxedes mas, Sandro Cleyton por perto, nunca mais.