segunda-feira, 17 de novembro de 2008

CENAS DA VIDA DURA DE UM ADVOGADO - Marlene, a ciumenta




Texto enviado por Zebedeu


Lá estava eu de chinelão, no bem-bom da minha goma, comendo baconzitos e vendo House, meu seriado favorito, quando toca o telefone.

- Alô...Doutor...alô...alô...

- Fala, porra.

- Aqui quem fala é o seu cliente Abelardo, pelo amor de Deus, cara, você tem que me ajudar!

Como quem toma uma porrada na cara, dei alguns segundos para mim mesmo para tomar ciência da coisa e me lembrar, efetivamente, de quem era o tal Abelardo. Lembrei. Era um pobre coitado, rico mas casado com uma megera mocréia e ciumenta, casal que eu havia feito a separação, meses atrás, e que me deu um trabalhão desgraçado porque a mulher demorou pra aceitar. Eu fui advogado dos dois e isso pode acontecer quando a separação é amigável.

- Pois não, Abelardo. Como vai, simpatia?

Ele falava nervoso.

- Nada bem, doutor, nada bem mesmo. Preciso da sua ajuda urgente, pelo amor de Deus! A Marlene está aqui na frente do meu prédio querendo por fogo no meu carro novo. Ela veio até aqui e me pegou com a Pamela.

- Mas o que eu tenho com isso? Você já está separado, cara. Come quem quiser aí, meu. Chama a polícia, porra.

- É que a Marlene só confia no senhor, doutor. Chegou até a me dizer várias vezes que acha o senhor bonitão. E eu não quero escândalos. O senhor convence ela a parar com essa palhaçada e fica tudo na boa. Um escândalo agora poderia me prejudicar lá na empresa, sabe como é...

- Sei. Mas o que você quer que eu faça?

- O senhor poderia vir até aqui? Quem sabe o senhor convence ela a não fazer nada.

Fiz uma voz de contrariado:

- Bicho, eu estou assistindo House...

- Pelo amor de Deus, doutor!

Ele afasta a boca do celular. Ouvi gritos:

- Nããão. Larga esse litro de álcool!

Ele volta ao celular:

- Doutor, rápido, eu pago a hora!

Bom, assim sendo, pensei rapidamente que não custava nada encarar a coisa, dar umas risadas e ainda ganhar uns trocados.

- Ok. Onde você está?

- No apartamento que ficou para mim na separação.

- Espera aí que eu já estou indo.

Coloquei uma roupa rápido e me mandei para o local. Chegando lá, um condomínio de classe média alta, vi o circo armado na frente do edifício, a vizinhança rodeando e crianças pulando e dando risada, afastados a uma distância segura. Marlene, com os cabelos desgrenhados (se já era feia com o cabelo arrumado, imagine despenteado), carregava uma caixa de fósforos e ameaçava, perto da Mercedes novinha, tipo cabriolet (sem capota), já todinha encharcada de álcool:

- Ninguém chega perto ou eu ponho fogo nessa merda!

Resolvi agir rápido para evitar o pior e dei uma de negociador do GATE (daqueles despreparados, que agem em sequestro de namorada):

- Calma, Marlene. Está lembrada de mim? Sou o doutor que fez a separação de vocês. Largue esses fósforos e vamos conversar.

Ela ficava até vesga pra falar, gritando:

- Não lembro de ninguém. De ninguém. E vou por fogo nessa bosta!

Vi que a coisa era mais complicada do que eu esperava. Abelardo estava mais atrás, com cara de cachorrinho desesperado, abraçado com a tal Pamela, por sinal uma loirinha pra lá de gostosinha, com um vestidinho tubinho preto e pernas grossas.

Tentei de novo:

- Marlene, calma. Vamos conversar.

E ela, chorando, desgrenhada:

- Não tem conversa. Eu lavei as “cueca” (sic) desse filhodaputa dez anos, e agora ele me trai. Me trai.

[a criançada, pulando] - Êêêêêê...

- Vocês já estão separados, Marlene, deixa o cara em paz.

- Não deixo. Fui prejudicada na separação. Ele me dá uma merreca de pensão. Os filhos estão passando necessidade. E quer saber? O senhor também é um canalha igual a ele. Sabia de tudo. Esse cafajeste já saía com essa piranha quando ainda era casado comigo.

[criançada] - Êêêêêêêêê...

Abelardo fez uma carinha de surpreso com o julgamento que Marlene fez de mim. Ela ameaçou riscar um fósforo.

- Ninguém chega perto. É agora que eu ponho fogo nessa porcaria. Quando estava casado comigo andava de Uno, esse filho da puta. Depois vendeu o carro bichado pro senhor, que além de cafajeste é idiota!

[molecada] – Ihúúúúú! Êêêêêê...

Êpa. Agora a coisa tinha mexido comigo. Caralho, eu não tinha deixado o House pra ouvir besteira.

- Quem falou pra você que o carro era bichado? Só tinha um probleminha no motor, que eu mandei consertar. E eu sabia do defeito e comprei o carro por um precinho bom.

Marlene enxuga as lágrimas e dá um sorrisinho maroto:

- “Adevogado” (sic)...pfff...cafajeste, isso sim. Vocês dois, ó (e esfregou os dedinhos indicadores). Tudo farinha do mesmo saco.

E ela aponta para Abelardo:

- É isso mesmo, seu banana. Vem me pegar, vem. E se eu contar pra todo mundo que você é meia bomba?

Deu uma risada histérica:

- Aaaaaahahahahahaha! tiozinho quase quarentão com menininha nova, né? Bananão meia bomba, isso sim. Seu pinto murcho.

[A molecada delirava] - Uááááháháhá!

Tentei me aproximar mas ela ameaçou riscar o fósforo.

- Oooolha, não chega perto que eu queimo!

Cada vez que ela falava isso o Abelardo fechava os olhos e se encolhia. Nessa hora chega uma viatura da PM, chamada por algum vizinho incomodado com a baixaria.

[Sargentão] – Qual é o babado por aqui?

- Essa senhora está emocionalmente fora de controle e está tentando colocar fogo no carro do ex-marido e...

- Quem é você?

- Sou o advogado do casal e vim aju...

- Porra, advogado? E não sabe que não se deve meter a colher fora do fórum? Xácomigo. Sai todo mundo de perto.

O policial foi se aproximando devagarinho, conversando com a Marlene, que ameaçava riscar o fósforo, até que num gesto muito rápido, ele tomou a caixa de fósforos da mão dela.

- Pronto. Acabou a festa. Todo mundo pro distrito. E vou levar a mulher pro pronto socorro pra tomar uma injeção amansa égua.

Depois de alguns segundos de silêncio, pensei comigo mesmo “porra, mas é fácil assim?”. Abelardo se aproximou de mim:

- Doutor, foi prá isso que eu te chamei? Prá perder tempo no Distrito? Sinceridade, hein, meu chapa. Agora vai todo mundo ficar sabendo. E ó, não vou pagar merda nenhuma. Não resolveu nada, não leva nada. A partir de amanhã vou procurar outro advogado.

E se afastou dando beijinhos apaixonados na Pamela. Quando me aproximei de Marlene, que estava sentada no banco de trás da viatura, ela me olhou vesga de raiva, cabelo desgrenhado, maquiagem borrada de bruxa de subúrbio, e falou com um ódio medonho:

- Seu cafajeste, seu canalha idiota!

Resumo: saí de casa à noite, me arrisquei, gastei combustível, não assisti House, não ganhei dinheiro, não comi ninguém e ainda ouvi um monte de merda. E enquanto o carro da polícia deixava o local ainda vi a molecada pulando:

- Êêêêêêêêêêêêê...ihúhúhúúúúú...!!!